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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

No apagar das luzes


Toda vez que se discute o problema da violência no Brasil alguém lembra oportunamente o número crescente de pessoas assassinadas no país. A estatística agrega valor ao assunto, justificando uma série de pesquisas e reportagens de grande interesse. O mesmo se dá em relação à violência no trânsito, quando compara-se o número de óbitos com o de mortos em guerras, e verificamos nossa condição de recordistas mundiais em mortes no trânsito. Curiosamente, o crescimento do número de suicídios , que de acordo com os dados oficiais do Ministério da Saúde já superou percentualmente a taxa de óbitos por homicídios e acidentes de trânsito no Brasil , não vem merecendo a mesma atenção da mídia e das autoridades. O relatório publicado pela Unesco com o apoio do Ministério da Justiça, intitulado " Mapa da Violência II - Os jovens do Brasil ", do professor Jacobo Waiselfisz, acusa um aumento de 56,9% no número de suicídios no Brasil num intervalo de apenas nove anos (1989-1998). São 7.045 casos por ano, mas esse número está longe da realidade.
 Considerando que a família não costuma registrar a morte por suicídio - por vergonha, motivos religiosos ( praticamente todas as tradições estigmatizam o suicida) ou para receber o seguro, negado a quem morre por opção - o número de casos tende a ser ainda maior. No Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que reúne todos os dados apurados pelas secretarias municipais e estaduais de saúde no Brasil, consta que somente no ano passado 2005 pessoas foram internadas em hospitais da rede pública por "lesões autoprovocadas voluntariamente". De acordo com os técnicos do Ministério da Saúde, trata-se dos casos em que os suicidas tentaram mas não conseguiram se matar. Não entram na conta do SIM as internações nas redes conveniada e privada, bem como os laudos médicos disfarçados com a ajuda de familiares, amigos e médicos camaradas. Na avaliação desses mesmos técnicos, o suicídio, que já é a sexta maior causa de morte entre os jovens, é considerado caso de saúde pública.
Mas o que estaria provocando essa escalada de suicídios no Brasil? Os especialistas rejeitam as respostas curtas inpiradas em teorias simplistas. O que se sabe, por enquanto, é que existe um emaranhado de fatores( sociais, patológicos, demográficos, familiares) que podem levar uma pessoa a se matar. O assunto é complexo, e nem em países com taxas de suicídio superiores às do Brasil, como os Estados Unidos ( onde somente no estado de Washington o programa escolar de prevenção ao suicídio demandará investimentos da ordem de um milhão de dólares este ano) as respostas são conclusivas. Mas há, entre os fatores de risco, alguns que merecem destaque. 
                       

 A depressão, uma doença que atinge aproximadamente 15% da população mundial ( 650 milhões de pessoas), conhecida como o mal do século, está associada à maioria dos casos de suicídio. A prostração que acomete o depressivo pode ser remediada com a ingestão de remédios específicos, que estabelecem a harmonia química cerebral, melhorando o humor. O problema é que os chamados antidepressivos não curam o doente, apenas atenuam os efeitos da depressão. Alguns médicos recomendam um tratamento holístico, que compreenda atendimento psicológico e espiritual.
A solidão é um mal dos tempos modernos. O fenômeno da urbanização produziu o inchaço das cidades e o distanciamento das pessoas. Os especialistas afirmam que a maior parte dos suicídios poderia ser evitada se na hora decisiva, quando o suicida inicia o mergulho na onda de desespero e perturbação que o levará à morte, alguém estivesse por perto. Nesse sentido, a experiência do CVV ( Centro de Valorização da Vida), uma organização não-governamental criada em 1962 em SãoPaulo, é reveladora. Sem vinculações políticas ou religiosas , o CVV oferece gratuitamente ajuda aos que sofrem de solidão, desespero e, em casos extremos mas não raros, desejam se suicidar. Espalhados por 46 postos pelo Brasil, os voluntários do CVV receberam em 2000, 466.953 ligações telefônicas. Trata-se do sexto serviço telefônico mais acionado no país, com uma nova ligação a cada 35 segundos. Se forem somados os outros gêneros de atendimentos ( pessoais, por carta, internet e outros) o volume de atendimento chegou a 928.983. Um feito impressionante para uma organização que não conta com apoios da iniciativa privada ou do poder público.

Que a frieza dos números não afaste o leitor do sentimento que permeia as estatísticas aqui reunidas. Embora provenientes de fontes distintas, esses números refletem uma silenciosa epidemia de dor e sofrimento que castiga a sociedade, e que pode culminar no mais extremo de todos ao atos : o auto-extermínio. É preciso romper esse silêncio e despertar a sociedade para a urgência de um movimento em defesa da vida.

Texto original de André Trigueiro - jornalista e âncora do Jornal das Dez, da canal Globo News.
Fonte: http://www.resenet.com.br/opiniao.htm


domingo, 1 de novembro de 2015

Mitos e verdades sobre o suicidio




O luto dos sobreviventes


"O suicida faz com que amigos e parentes se sintam seus assassinos" 
                                                                         Vincent Van Gogh 
 

                                                                                                                                              
Para Freud (1917) “luto é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”. Em Luto e Melancolia, Freud caracteriza este processo como sendo um estado depressivo que não deve ser tratado como patológico mas sim como uma fase de inibição do ego em reação à perdas. Sendo de caráter particularmente doloroso, o período é marcado pela ausência e percepção da inexistência do objeto amado, pela retirada da libido das ligações com o mesmo e a posteriori, pelo deslocamento da libido para outro objeto. Ainda em Luto e Melancolia, Freud se refere ao luto como dividido em dois eixos distintos: o luto normal e o luto patológico sendo que o primeiro consiste na perda consciente do objeto enquanto que no último a perda fica represada no inconsciente. Entretanto estas definições não seriam suficiente sustentáveis à distinção do luto normal e do luto patológico, pois esta característica está presente em todas as formas do processo de enlutamento (MENDLOWICZ, 2000). Segundo Caterina, (2013) a distinção do luto normal do patológico baseia-se nas muitas circunstâncias que compõe o luto assim como na observação de semelhança com outros quadros, sendo que a presença da depressão é uma das situações mais claras do patológico. Quando se consegue restabelecer o equilíbrio sem desfigurar em demasia a realidade, fala-se de luto normal. 
A compreensão da experiência da perda de alguém estimado que tirou a própria vida é um tema que se faz importante e merecedor profunda reflexão uma vez que as consequências do ato não se limitam apenas ao indivíduo suicida mas também alcança os demais membros da família. 
Para Monteiro, Oliveira e Val (2010) perder um ente querido através do suicídio pode significar que alguém vai viver e porque não dizer; sobreviver com intensa carga emocional. Ora, à partir do instante em que uma perda como o suicídio é gravada na história de uma pessoa, inevitavelmente sua vida ficará marcada de forma singular por este evento extremo. Logo, pode-se dizer que os familiares são sobreviventes de um suicídio que se encontram enlutados e presos a um processo nutrido por intensas emoções.
Embora seja uma vivência esperada pela perda de alguém querido, o luto pode se tornar ainda mais sofrido em função das circunstâncias em que o suicídio se deu. Além do sentimento de culpa, outras reações emocionais igualmente poderosas tais como o medo, a raiva, a tristeza, a ansiedade e a vergonha podem se fazer presentes. Segundo Caterina (2007) os sobreviventes também sofrem com outras emoções não menos intensas, como a negação, depressão, isolamento, dificuldades de estabelecer novas relações, desenvolvimento de transtornos mentais e psicossomáticos, incidência e aumento do uso de drogas ou álcool, desinvestimento em sua própria vida.
Em cada família os membros passarão pelo luto de uma maneira singular uma vez que cada individuo é composto por seus processos subjetivos e desta forma suas vivências certamente virão a interferir nesta experiência. Entretanto a não aceitação da morte do suicida pode estender o processo de luto pois tem se a impressão de que há uma lacuna, uma brecha que não se fechou ou um a de uma questão que ainda não se resolveu com o falecido (BASSO, WAINER, 2011).
Além das questões individuais, fatores sociais, culturais e religiosos estão atados à temática do suicídio e do luto. De forma preconceituosa ou até mesmo por ignorância a sociedade culpa e estigmatiza o sujeito suicida e não raras vezes o estigma se estende aos familiares que acabam sendo “ condenados” juntamente com o falecido (CFP, 2013). A família e principalmente a mulher pela razão de ser mãe ou esposa sente-se envergonhada por pensar que não foi suficientemente cuidadora, já que a função do cuidar, em sociedades patriarcais é comumente atribuída à mulher. Alimentando a crença de que não cuidou suficientemente de seu ente, a mesma incorpora a ideia de que se portara de forma negligente (CATERINA, 2007). Desta forma a família agrega o pensamento de que é melhor não falar sobre o assunto, muitas vezes se isola e por vergonha, evitando comentar sobre o que sentem ou falar sobre a morte do seu ente querido ( BASSO, WAINER,2011). Sentimentos de impotência e fracasso nos cuidados com o ente querido, também podem se agregar ao processo de luto principalmente se algum familiar tinha conhecimento do risco de suicídio (CFP, 2013). 
Ainda que doloroso o luto é um processo extremamente necessário pois é através do mesmo que o sujeito irá canalizar os sentimentos de raiva e culpa pela perda do ente que se foi. Espera-se que a vivência normal do luto promova “um aprofundamento da relação do indivíduo com seus objetos internos e externos e a reconstrução do mundo interno para que este possa recompor seus laços com o mundo externo (Caterina, 2013). 
A busca por um profissional de saúde mental pode auxiliar estes indivíduos sobreviventes a se libertarem das formas engessadas de suas crenças e auxiliá-los no resgate de uma vida psíquica mais livre (CFP, 2013). O acolhimento e atenção dispensados à família enlutada ou a cada sobrevivente desta faz-se importante para que o processo de luto transcorra normalmente e acabe de forma mais rápida possível. Com auxílio profissional espera-se que o(s) sujeito(s) seja capaz de operar mudanças significativas em seu meio as quais irão lhe conferir maior estabilidade possibilitando a viver de forma satisfatória com os que permanecem.

Referências:


BASSO, Lissia Ana; WAINER, Ricardo. Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, jun. 2011 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872011000100007&lng=pt&nrm=iso
CATERINA, Marlene Carvalho. Luto adulto: fatores facilitadores e complicadores no processo de elaboração. São Paulo. 2007. Disponível em < http://www.apvp.com.br/v1/Artigos/Monografia_Marlene_Caterina.pdf >
CATERINA, Marlene Carvalho. O luto: perdas e rompimento de vínculos. São Paulo. 2013. Disponível em: http://www.apvp.com.br/v1/Artigos/Apostila_Luto_Perda.pdf
FREUD, S. Luto e Melancolia. 1917. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfG7AAE/luto-melancolia-por-sigmund-freud
MENDLOWICZ, Eliane. O luto e seus destinos. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 3, n. 2, p. 87-96, Dec. 2000 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982000000200005&lng=en&nrm=iso >. 
MONTEIRO, Fabiana Franco; OLIVEIRA, Miriam de; VALL, Janaina. A importância dos cuidados paliativos na enfermagem. Rev dor, v. 11, n. 3, p. 242-8, 2010. Disponível em: < http://www.dor.org.br/revistador/dor/2010/volume_11/n%C3%BAmero_3/pdf/volume_11_n_3_pags_242_a_248.pdf