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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

RELAÇÃO AMOROSA E TENTATIVA DE SUICÍDIO NA ADOLESCÊNCIA: UMA QUESTÃO DE (DES) AMOR

O outro amado seria capaz de motivar o desejo de desistir de viver ?


      O suicídio é um fenômeno presente em todas as civilizações, adquirindo, assim, diferentes significados, de acordo com cada cultura. O que dizer, então, da tentativa de suicídio de um adolescente por motivos amorosos? O outro amado seria capaz de motivar o desejo de desistir de viver? Isso nos faz pensar acerca da forma como o amor se expressa entre os adolescentes, podendo tornar-se um motivo ou razão para que se desista de viver.
      Autores como Dias (1991b), Dutra (2000) e Mustelier (2005), pensam que a questão amorosa, representada pela perda ou separação do outro amado, é um dos motivos presentes na tentativa e/ou no suicídio exitoso. Por exemplo, o fim de um relacionamento amoroso, o desprezo do ser amado ou até mesmo a ameaça de abandono por parte deste.
      Para Sabino (1986, p. 144), "o suicídio é um ato de publicidade: publicidade do desespero". Em relação a essa reflexão, Abasse, Oliveira, Silva & Souza (2009) apontam que o suicídio ou a sua tentativa revelam uma dor emocional que o sujeito considera ser intolerável e com a qual acredita não ter capacidade de lidar. Jacobs (1971) conclui que um jovem é capaz de atentar contra a própria vida quando se sente totalmente abandonado, efetivamente sem qualquer esperança de alcançar um "relacionamento social significativo".
      Cassorla (1991) chama a atenção para uma peculiaridade que permeia as tentativas e ideações suicidas em mulheres adolescentes que muito interessa ao nosso estudo: muitas vezes, as tentativas de suicídio estão relacionadas a razões amorosas, afetivas. Esse autor percebeu que o ato suicida geralmente ocorre após uma desilusão em relação a uma pessoa significativa, como namorado ou figura parental, que ameaça abandonar a jovem ou que ela sente que irá abandoná-la. Para ele, os estudos de vínculos afetivos dessas jovens, em que a ruptura ou ameaça da ruptura do vínculo leva ao ato suicida, fornecem uma pista: a de que essa relação é de tal intensidade constituída que os limites do self (conceito de si mesmo ) se confundem, de modo que a pessoa não sabe mais onde começam e onde terminam os próprios desejos e fantasias e onde começam os do outro. Percebe-se, então, uma formação de relação simbiótica; assim, a perda do parceiro é sentida como perda de parte de si mesma, onde estavam projetados muitos aspectos idealizados.
       Dias (1991b) também realiza reflexões sobre o suicídio amoroso. Para essa autora, o indivíduo, muitas vezes, atribui a responsabilidade de seu ato ao outro parceiro ou, até mesmo, dedica a sua tentativa de auto-extermínio a esse outro ser. Essa autora considera que aquele que tenta suicídio em situação de abandono se mata ansiando matar o outro dentro de si mesmo. Caruso (1989) pensa que a separação de um casal traz a vivência da morte na sua consciência, face ao desaparecimento do outro em si mesmo. Dutra (2002), refletindo acerca da tentativa de suicídio de jovens, observou, entre os que praticam esse ato, que havia, em cada um deles, uma falta de amor e busca de um outro; necessidade de ser amado e de se sentir aceito, percebidos em seus relato da experiência de quase morrer.
      Tais estudos e idéias nos levam a pensar na tentativa de suicídio, na escolha por não mais viver, como um (des) amor a si, uma falta de amor a seus projetos de vida, seus sonhos, uma falta de amor ao que se é e à própria vida. Um amor que, na relação amorosa, se expressa num reconhecimento de si através do outro, e que propicia ao jovem se perceber como pessoa existente e um ser de potencialidades. Ao perder o outro, ou na ameaça de perda desse outro no qual ele se reconhece, o adolescente perde um pouco de si, do que é, e como foi dito anteriormente, é lançado na solidão que lhe é inerente, lançado num mundo em que é responsável pelo que é pela sua vida e seu destino.



REFERÊNCIAS :

Abasse, M. L. F., Oliveira, R. C., Silva, T. C. & Souza, E. R. (2009). Análise epidemiológica da morbimortalidade por suicídio entre adolescentes em Minas Gerais, Ciência & Saúde Coletiva, 1(2),407-416.

Cassorla, R. M. S. (1991). Do Suicídio: Estudos Brasileiros. São Paulo: Papirus.

Dias. M. L. (1991). Suicídio, testemunhos de adeus. São Paulo: Editora Brasiliense.

Dutra, E. M. S. (2000). Compreensão de tentativas de suicídio de jovens sob o Enfoque da Abordagem Centrada na Pessoa. Tese de Doutorado não-publicada. Universidade de São Paulo, São Paulo.

Dutra, E. M. S. (2002). A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de Psicologia, 7(2),371-378.

Erikson, E. (1987). Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Editora Guanabara (Original publicado em 1968).

Jacobs, J. (1971). Adolescent suicide. New York: Wiley.

Mustelier, L. I. (2005) ¿Adolescentes Problemas o Problemas de la Adolescencia?, Monografia não publicada, [citado em 10 abril 2005], disponível em World Wide Web: http://www.monografias.com/trabajos13/adopro/adopro.shtml#sui.

Sabino, F. (1986). Suíte ovalliana. In Fernando Sabino, As melhores crônicas de Fernando Sabino [pp. 139-145]. Rio de Janeiro: Record.


Suicídio: uma breve história

Imagem da Internet
A idéia do termo “suicídio” perpassa por muitos anos ao longo da história e este texto tem o cunho de apenas trazer uma breve curiosidade da história do suicídio. Segundo Szasz (2002) apud NETTO (2013, p.15),

[...] usamos a palavra ‘suicídio’ para expressar duas ideias bastante diferentes: por um lado, com ela descrevemos uma maneira de morrer; ou seja; tirar a própria vida, voluntária e deliberadamente; por outro lado, no lugar de utilizamos para condenar a ação, ou seja, para qualificar o suicídio de pecaminoso, criminoso, irracional, injustificado... em uma palavra, mal. (SZASZ, 2002, p. 21 – grifos no original, apud NETTO 2013, p.15).

Para Netto (2013, p. 15) é interessante pensarmos que, nessa passagem final, Szasz faz uma brevíssima síntese de como o suicídio foi visto historicamente, desde a época que, entre os antigos, não existia necessariamente uma pejoração em relação à morte voluntária (a palavra suicídio vai surgir por volta do século XII, segundo os dados até então disponíveis), o que havia eram formas de se descrever o ato. É principalmente a partir de Agostinho de Hipona (séc. V), também chamado por alguns de Santo Agostinho, que a morte de si passa a ter uma conotação pecaminosa.

Posteriormente, ainda na Idade Média, passa a ser compreendida como crime, porque lesava os interesses da Coroa: aqueles que se matavam tinham seus bens confiscados pela Coroa, em detrimento de suas famílias, e os cadáveres eram penalizados.

Ainda segundo Netto (2013, p. 15) ao final da Idade Média, com a separação entre a Coroa e a Igreja, o poder médico passa a ocupar um lugar privilegiado no controle da sociedade, de maneira que, a partir de então, são os “médicos” que definem a negatividade da morte voluntária, deslocando o fenômeno do pecado à patologia e qualificando-o como loucura. Assim, a morte voluntária foi se constituindo como um fenômeno que tem características específicas, em momentos históricos distintos.

  
Referência

Conselho Federal de Psicologia. O suicídio e os desafios para a psicologia. 1ª ed. Brasília: CFP, 2013. 152 p.