RELAÇÃO AMOROSA E TENTATIVA DE SUICÍDIO NA
ADOLESCÊNCIA: UMA QUESTÃO DE (DES) AMOR
O
outro amado seria capaz de motivar o desejo de desistir de viver ?
O suicídio é um fenômeno presente em
todas as civilizações, adquirindo, assim, diferentes significados, de acordo
com cada cultura. O que dizer, então, da tentativa de suicídio de um
adolescente por motivos amorosos? O outro amado seria capaz de motivar o desejo
de desistir de viver? Isso nos faz pensar acerca da forma como o amor se
expressa entre os adolescentes, podendo tornar-se um motivo ou razão para que
se desista de viver.
Autores como Dias (1991b), Dutra (2000) e
Mustelier (2005), pensam que a questão amorosa, representada pela perda ou
separação do outro amado, é um dos motivos presentes na tentativa e/ou no
suicídio exitoso. Por exemplo, o fim de um relacionamento amoroso, o desprezo
do ser amado ou até mesmo a ameaça de abandono por parte deste.
Para Sabino (1986, p. 144), "o
suicídio é um ato de publicidade: publicidade do desespero". Em relação a
essa reflexão, Abasse, Oliveira, Silva & Souza (2009) apontam que o
suicídio ou a sua tentativa revelam uma dor emocional que o sujeito considera
ser intolerável e com a qual acredita não ter capacidade de lidar. Jacobs
(1971) conclui que um jovem é capaz de atentar contra a própria vida quando se
sente totalmente abandonado, efetivamente sem qualquer esperança de alcançar um
"relacionamento social significativo".
Cassorla (1991) chama a atenção para uma
peculiaridade que permeia as tentativas e ideações suicidas em mulheres
adolescentes que muito interessa ao nosso estudo: muitas vezes, as tentativas
de suicídio estão relacionadas a razões amorosas, afetivas. Esse autor percebeu
que o ato suicida geralmente ocorre após uma desilusão em relação a uma pessoa
significativa, como namorado ou figura parental, que ameaça abandonar a jovem
ou que ela sente que irá abandoná-la. Para ele, os estudos de vínculos afetivos
dessas jovens, em que a ruptura ou ameaça da ruptura do vínculo leva ao ato
suicida, fornecem uma pista: a de que essa relação é de tal intensidade
constituída que os limites do self (conceito de si mesmo ) se confundem, de modo que a
pessoa não sabe mais onde começam e onde terminam os próprios desejos e
fantasias e onde começam os do outro. Percebe-se, então, uma formação de
relação simbiótica; assim, a perda do parceiro é sentida como perda de parte de
si mesma, onde estavam projetados muitos aspectos idealizados.
Dias (1991b) também realiza reflexões
sobre o suicídio amoroso. Para essa autora, o indivíduo, muitas vezes, atribui
a responsabilidade de seu ato ao outro parceiro ou, até mesmo, dedica a sua
tentativa de auto-extermínio a esse outro ser. Essa autora considera que aquele
que tenta suicídio em situação de abandono se mata ansiando matar o outro
dentro de si mesmo. Caruso (1989) pensa que a separação de um casal traz a
vivência da morte na sua consciência, face ao desaparecimento do outro em si
mesmo. Dutra (2002), refletindo acerca da tentativa de suicídio de jovens,
observou, entre os que praticam esse ato, que havia, em cada um deles, uma
falta de amor e busca de um outro; necessidade de ser amado e de se sentir
aceito, percebidos em seus relato da experiência de quase morrer.
Tais estudos e idéias nos levam a pensar
na tentativa de suicídio, na escolha por não mais viver, como um (des) amor a
si, uma falta de amor a seus projetos de vida, seus sonhos, uma falta de amor
ao que se é e à própria vida. Um amor que, na relação amorosa, se expressa num
reconhecimento de si através do outro, e que propicia ao jovem se perceber como
pessoa existente e um ser de potencialidades. Ao perder o outro, ou na ameaça
de perda desse outro no qual ele se reconhece, o adolescente perde um pouco de
si, do que é, e como foi dito anteriormente, é lançado na solidão que lhe é
inerente, lançado num mundo em que é responsável pelo que é pela sua vida e seu
destino.
REFERÊNCIAS
:
Abasse, M. L. F., Oliveira, R. C., Silva, T.
C. & Souza, E. R. (2009). Análise epidemiológica da morbimortalidade por
suicídio entre adolescentes em Minas Gerais, Ciência & Saúde Coletiva, 1(2),407-416.
Cassorla, R. M. S. (1991). Do Suicídio:
Estudos Brasileiros. São Paulo: Papirus.
Dias. M. L. (1991). Suicídio, testemunhos de
adeus. São Paulo: Editora Brasiliense.
Dutra, E. M. S. (2000). Compreensão de
tentativas de suicídio de jovens sob o Enfoque da Abordagem Centrada na Pessoa.
Tese de Doutorado não-publicada. Universidade de São Paulo, São Paulo.
Dutra, E. M. S. (2002). A narrativa como uma
técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de Psicologia, 7(2),371-378.
Erikson, E. (1987). Identidade, Juventude e
Crise. Rio de Janeiro: Editora Guanabara (Original publicado em 1968).
Jacobs, J. (1971). Adolescent suicide. New
York: Wiley.
Mustelier, L. I. (2005) ¿Adolescentes
Problemas o Problemas de la Adolescencia?, Monografia não publicada, [citado em
10 abril 2005], disponível em World Wide Web: http://www.monografias.com/trabajos13/adopro/adopro.shtml#sui.
Sabino, F. (1986). Suíte ovalliana. In
Fernando Sabino, As melhores crônicas de Fernando Sabino [pp. 139-145]. Rio de
Janeiro: Record.