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domingo, 1 de novembro de 2015

O luto dos sobreviventes


"O suicida faz com que amigos e parentes se sintam seus assassinos" 
                                                                         Vincent Van Gogh 
 

                                                                                                                                              
Para Freud (1917) “luto é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”. Em Luto e Melancolia, Freud caracteriza este processo como sendo um estado depressivo que não deve ser tratado como patológico mas sim como uma fase de inibição do ego em reação à perdas. Sendo de caráter particularmente doloroso, o período é marcado pela ausência e percepção da inexistência do objeto amado, pela retirada da libido das ligações com o mesmo e a posteriori, pelo deslocamento da libido para outro objeto. Ainda em Luto e Melancolia, Freud se refere ao luto como dividido em dois eixos distintos: o luto normal e o luto patológico sendo que o primeiro consiste na perda consciente do objeto enquanto que no último a perda fica represada no inconsciente. Entretanto estas definições não seriam suficiente sustentáveis à distinção do luto normal e do luto patológico, pois esta característica está presente em todas as formas do processo de enlutamento (MENDLOWICZ, 2000). Segundo Caterina, (2013) a distinção do luto normal do patológico baseia-se nas muitas circunstâncias que compõe o luto assim como na observação de semelhança com outros quadros, sendo que a presença da depressão é uma das situações mais claras do patológico. Quando se consegue restabelecer o equilíbrio sem desfigurar em demasia a realidade, fala-se de luto normal. 
A compreensão da experiência da perda de alguém estimado que tirou a própria vida é um tema que se faz importante e merecedor profunda reflexão uma vez que as consequências do ato não se limitam apenas ao indivíduo suicida mas também alcança os demais membros da família. 
Para Monteiro, Oliveira e Val (2010) perder um ente querido através do suicídio pode significar que alguém vai viver e porque não dizer; sobreviver com intensa carga emocional. Ora, à partir do instante em que uma perda como o suicídio é gravada na história de uma pessoa, inevitavelmente sua vida ficará marcada de forma singular por este evento extremo. Logo, pode-se dizer que os familiares são sobreviventes de um suicídio que se encontram enlutados e presos a um processo nutrido por intensas emoções.
Embora seja uma vivência esperada pela perda de alguém querido, o luto pode se tornar ainda mais sofrido em função das circunstâncias em que o suicídio se deu. Além do sentimento de culpa, outras reações emocionais igualmente poderosas tais como o medo, a raiva, a tristeza, a ansiedade e a vergonha podem se fazer presentes. Segundo Caterina (2007) os sobreviventes também sofrem com outras emoções não menos intensas, como a negação, depressão, isolamento, dificuldades de estabelecer novas relações, desenvolvimento de transtornos mentais e psicossomáticos, incidência e aumento do uso de drogas ou álcool, desinvestimento em sua própria vida.
Em cada família os membros passarão pelo luto de uma maneira singular uma vez que cada individuo é composto por seus processos subjetivos e desta forma suas vivências certamente virão a interferir nesta experiência. Entretanto a não aceitação da morte do suicida pode estender o processo de luto pois tem se a impressão de que há uma lacuna, uma brecha que não se fechou ou um a de uma questão que ainda não se resolveu com o falecido (BASSO, WAINER, 2011).
Além das questões individuais, fatores sociais, culturais e religiosos estão atados à temática do suicídio e do luto. De forma preconceituosa ou até mesmo por ignorância a sociedade culpa e estigmatiza o sujeito suicida e não raras vezes o estigma se estende aos familiares que acabam sendo “ condenados” juntamente com o falecido (CFP, 2013). A família e principalmente a mulher pela razão de ser mãe ou esposa sente-se envergonhada por pensar que não foi suficientemente cuidadora, já que a função do cuidar, em sociedades patriarcais é comumente atribuída à mulher. Alimentando a crença de que não cuidou suficientemente de seu ente, a mesma incorpora a ideia de que se portara de forma negligente (CATERINA, 2007). Desta forma a família agrega o pensamento de que é melhor não falar sobre o assunto, muitas vezes se isola e por vergonha, evitando comentar sobre o que sentem ou falar sobre a morte do seu ente querido ( BASSO, WAINER,2011). Sentimentos de impotência e fracasso nos cuidados com o ente querido, também podem se agregar ao processo de luto principalmente se algum familiar tinha conhecimento do risco de suicídio (CFP, 2013). 
Ainda que doloroso o luto é um processo extremamente necessário pois é através do mesmo que o sujeito irá canalizar os sentimentos de raiva e culpa pela perda do ente que se foi. Espera-se que a vivência normal do luto promova “um aprofundamento da relação do indivíduo com seus objetos internos e externos e a reconstrução do mundo interno para que este possa recompor seus laços com o mundo externo (Caterina, 2013). 
A busca por um profissional de saúde mental pode auxiliar estes indivíduos sobreviventes a se libertarem das formas engessadas de suas crenças e auxiliá-los no resgate de uma vida psíquica mais livre (CFP, 2013). O acolhimento e atenção dispensados à família enlutada ou a cada sobrevivente desta faz-se importante para que o processo de luto transcorra normalmente e acabe de forma mais rápida possível. Com auxílio profissional espera-se que o(s) sujeito(s) seja capaz de operar mudanças significativas em seu meio as quais irão lhe conferir maior estabilidade possibilitando a viver de forma satisfatória com os que permanecem.

Referências:


BASSO, Lissia Ana; WAINER, Ricardo. Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, jun. 2011 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872011000100007&lng=pt&nrm=iso
CATERINA, Marlene Carvalho. Luto adulto: fatores facilitadores e complicadores no processo de elaboração. São Paulo. 2007. Disponível em < http://www.apvp.com.br/v1/Artigos/Monografia_Marlene_Caterina.pdf >
CATERINA, Marlene Carvalho. O luto: perdas e rompimento de vínculos. São Paulo. 2013. Disponível em: http://www.apvp.com.br/v1/Artigos/Apostila_Luto_Perda.pdf
FREUD, S. Luto e Melancolia. 1917. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfG7AAE/luto-melancolia-por-sigmund-freud
MENDLOWICZ, Eliane. O luto e seus destinos. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 3, n. 2, p. 87-96, Dec. 2000 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982000000200005&lng=en&nrm=iso >. 
MONTEIRO, Fabiana Franco; OLIVEIRA, Miriam de; VALL, Janaina. A importância dos cuidados paliativos na enfermagem. Rev dor, v. 11, n. 3, p. 242-8, 2010. Disponível em: < http://www.dor.org.br/revistador/dor/2010/volume_11/n%C3%BAmero_3/pdf/volume_11_n_3_pags_242_a_248.pdf


3 comentários:

  1. "Show de bola" essa abordagem Patricia ! Muito importante pontuar essa visão...Parabéns !

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    1. Obrigada Amanda! Quando não temos informações a gente tende a ser preconceituoso e se transforma no juiz do outro. Que nunca nos falte o bom senso e a vontade de aprender.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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