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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A esperança (não) é a última que morre

                                                   
        “Quem tem porquê viver pode suportar  qualquer quase como.”  Friedrich Nietzsche                                                                                                                                     
Diz o ditado popular que “a esperança é a última que morre”. Mas será mesmo? Se pensarmos que os humanos são movidos pela busca constante por uma vida mais satisfatória na qual consigam atingir metas, realizar desejos e sonhos, pode-se entender que o ser é movido pela esperança. Mas se a esperança é um construto que nos estimula e impulsiona constantemente, o que acontece se por alguma razão ela deixar de existir? 
O futuro é composto de possibilidades, uma projeção de expectativas do presente, contudo se no futuro não há esperança pode-se subentender que é então, o começo do processo de morrer. Tal afirmação nos conduz à questão que coloca a esperança, ou melhor a falta dela, a desesperança; como causa potencial de tentativas e atos consumados de auto-extermínio. Logo, a esperança morre primeiro e o sujeito morreria por último em detrimento da ausência da primeira. 
Pode-se compreender a desesperança como uma crença de que o futuro será pior ou igual ao que se vive no presente e na crença de que neste futuro as coisas simplesmente não vão melhorar. Segundo Beck: “em seu nível mais fundamental, a desesperança é uma cognição; é uma crença de que o futuro é sombrio, que seus problemas nunca se resolverão” (BECK, 1997). Ainda segundo BECK, quanto maior a intensidade da desesperança mais fácil se torna a interação com estressores ambientais e menos adversidades serão necessárias para desencadear uma crise suicida. 
Sob a perspectiva da Psicologia Cognitiva Comportamental, não são os fenômenos ou acontecimentos do mundo imediato e externo que influenciarão na forma de agir e pensar do indivíduo, mas sim o modo como os mesmos são interpretados. Os esquemas cognitivos que são inerentes a cada sujeito, têm papel primordial nesta tarefa pois os mesmos se refere à uma rede estruturada e inter-relacionada de crenças que podem ser ativadas ou desativadas conforme a presença ou ausência de experiências estressantes (CALLEGARO, 2011 apud BECK 1976). Logo esquema é um mecanismo que processa informação e que: 
“(...) filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o organismo é submetido... Com base na matriz de esquemas, o indivíduo consegue orientar-se em relação ao tempo e espaço e categorizar e interpretar experiências de maneira significativa” (BECK, 1997). 
Esquemas também denominados como crenças centrais disfuncionais são avaliações genéricas sobre si mesmo, sobre o outro e sobre a relação com o mundo que o cerca (RANGE, 2001). Na maioria das vezes, tais crenças não são conhecidas e claras para o indivíduo, já que são da ordem do inconsciente. Desta forma, sob determinadas circunstâncias, o resultado da invocação destas crenças, influenciarão a percepção errônea sobre acontecimentos e situações afetando diretamente o comportamento do indivíduo (BECK, 1997). 
Callegaro (2011) em acordo com Beck, dita que os esquemas contaminam a arquitetura mental do sujeito direcionando a interpretação dos acontecimentos, como resultado verifica-se a percepção distorcida e tendenciosa que por sua vez culminam em concepções errôneas, atitudes distorcidas e expectativas pouco realistas. De tais processamentos esquemáticos emergem os pensamentos automáticos que quando enviesados, são ditos disfuncionais. 
O modelo cognitivo afirma que a os pensamentos automáticos “são espontâneos e fluem em nossa mente a partir dos acontecimentos do dia a dia”( RANGÉ, 2001). Segundo Cordioli et al (2008) pensamento automático “ (...) São mensagens específicas, discretas, (...) compostas por palavras curtas e essenciais. Muitas vezes a pessoa não consegue perceber estes pensamentos, tendo apenas conhecimento da emoção que se segue”. Para Beck,(1993) breves e rápidas avaliações cognitivas que não dependem de raciocínio são denominados pensamentos automáticos: "um pensamento ou imagem visual do qual você pode não tomar consciência a menos que focalize nele sua atenção". Tais pensamentos são freqüentemente aceitos como verdades absolutas de forma irrefletida ao que fazem uma ponte entre as reações emocionais, os acontecimentos externos e as respostas comportamentais. Pensamentos automáticos disfuncionais do tipo “ não tem mais jeito para mim” , “ se eu morrer será mais fácil para todo mundo”, “ não há saída além de me matar pois nunca vou ser feliz” ou “ sou um estorvo na vida de todo mundo”, são exemplos clássicos de pensamentos automáticos disfuncionais recorrentes em indivíduos com tendências suicidas. 
Diante do exposto faz-se perceptível a necessidade de se efetuar o questionamento de crenças básicas e a observação de pensamentos automáticos para que seja possível iniciar uma jornada ao autoconhecimento. O sujeito deve buscar entender de que forma as crenças centrais estão ditando seu comportamento e influenciando as suas escolhas. Esta jornada é de salutar importância para que o sujeito evolua e consiga englobar em sua vida psíquica crenças mais funcionais, adaptativas e mais positivas para que desta forma consiga voltar a projetar seu futuro, resgatar a esperança e a vontade de viver. 
De acordo com Beck ( 1997) “[...] em nosso modelo, níveis mais elevados do estado de desesperança estão associados a uma ideação suicida cada vez mais aguda”. Deste modo mostra-se necessária a manutenção de crenças de que dias melhores virão para assim ser possível  renovar a esperança. Entretanto, deve-se ficar sempre atentos para o que está sendo projetado para o futuro, pois futuro não existe (ainda) sendo o que se pensa e o que faz no agora que vai criá-lo.

Referências:

BECK, Aaron. FREEMAN, Arthur. Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade. Tradução organizada por A.E. Fillman. Porto Alegre: Artes Médicas. 1993.
BECK, Aaron. Et al. Terapia Cognitiva da Depressão. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
BECK, Judith S. Terapia Cognitiva: Teoria e Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
BECK, Aron T.; ALFORD, Brad A. O poder integrador da terapia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
CORDIOLI, Aristides Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artemed, 2008.
CALLEGARO, Marco Montarroyos. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artemed, 2011.
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
RANGÉ, Bernard. Psicoterapias Cognitivo Comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artemed, 2008.

Um comentário:

  1. Ponto fundamental: o resgate da crença em, da fé. Não a fé em termos religiosos, mas a fé na continuidade de ser, a fé conquistada nas relações de confiança e cuidado. Vejo que esse resgate é tarefa árdua de análise, e não se trata de simples substituição de pensamentos automatizados, pois assim poderíamos resolver esse aspecto num nível racional, e não psicossomático. O resgate da fé é conquistado pela escuta sensível, pelo manejo confiável do analista, pela paciência de não querer curar apressadamente seu paciente, indica-lo tarefas fo que fazer e pensar... e de inclusive tolerar que ele regrida, que ele adoeça e ainda sim continuar mantendo - se lá, vivo. A "crença em" não é conquistada com palavras... mas com gestos, com o silêncio, com o respeito ao gesto espontâneo, pois qualquer intrusão pode violar essa conquista. Assim podemos interpretar que a tentativa de suicídio em alguns casos não como uma perda de esperança, mas talvez como o último gesto de esperança... o último gesto de fé que está ao alcance...

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