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terça-feira, 10 de novembro de 2015

O prolongamento da tristeza e o risco de suicídio


O suicídio é um fenômeno complexo e, como um problema grave de saúde pública, requer a nossa atenção, mas, infelizmente, a sua prevenção e controle não são tarefas fáceis.  
Quando pensamos em autoextermínio é interessante nos questionarmos sobre as motivações por trás de tal ato. A literatura acerca deste tema é vasta. Trataremos aqui, especificamente, das ocorrências em adolescentes.  Quais são os fatores de risco? Quais são as medidas de proteção? 
Entendemos por fatores de risco e fatores de proteção aqueles elementos com grande probabilidade de desencadear ou potencializar um evento indesejado, não sendo necessariamente o fator causal e, também, os recursos pessoais e/ou sociais que atenuam ou neutralizam o impacto do risco. Bahls (2002) ressalta que se deve estar atento para os seguintes sinais: os estados de humor irritável ou depressivo duradouro e/ou excessivo, os períodos prolongados de isolamento ou hostilidade com família e amigos; o afastamento da escola ou queda importante no rendimento escolar; o afastamento de atividades grupais. Segundo Dutra (2001), também é possível perceber fases de tristeza, isolamento, tédio, desesperança e retraimentos que muitas vezes passam despercebidos por serem encarados como sinais comuns desta fase. Ainda sobre esta vivência depressiva, Dutra (2001) afirma que esta se revela, comumente, através de sentimentos de vazio, tédio, indiferença, solidão, abandono, impressão de ser mal-amado, incompreendido, ou rejeitado. 
Sobre os fatores de proteção à depressão na adolescência, Martins, Trindade e Almeida (2003) ressaltam que o apoio e a proteção são elementos significativos para a vida, tendo em vista que, ao mesmo tempo em que os adolescentes relatam precisar de liberdade para se divertir, informam sobre a necessidade de apoio e de proteção para sentirem-se seguros. 
Miria Benincasa e Manuel Rezendo fizeram um estudo buscando relacionar os fatores de risco e de proteção para a tristeza e suicídio entre adolescentes, bem como identificar, entre estes indivíduos, a percepção do risco de suicídio, identificar o que relatam como fatores de risco, e compreender o que consideram como fatores de proteção ao refletir sobre o tema. 
Neste estudo, Benincasa e Rezende selecionaram uma amostra de 32 adolescentes, com idade variando entre 14 a 18 anos, pertencentes às classes sociais A e D, conforme especificações do IBGE. A opção de classe A e D deveu-se ao interesse por identificar a percepção deste risco nas extremidades sociais.  
Para discutir sobre o tema Benincasa e Rezende abordaram questões como: “Vocês acham que suicídio é um risco na adolescência?”, “Como o adolescente se expõe a este risco?”, “Qual o motivo desta exposição?”, “Como é possível se proteger deste risco?”. Todo o material obtido desta discussão foi transcrito integralmente em seu artigo, e os resultados discutidos à luz da literatura encontrada sobre o tema.  
Sobre os fatores de risco, os adolescentes relataram: briga ou problemas dos pais; não ser escutado(a); sentir-se invadido(a); solidão; traição de amigos e/ou namorados(as); sentimento de desproteção e questões financeiras. Como consequência da exposição a estes fatores os adolescentes relacionaram o suicídio; depressão e prolongamento da tristeza; isolamento e auto-agressão. Ao refletirem sobre os possíveis fatores de proteção ao suicídio, os adolescentes foram concisos ao descreverem a proximidade familiar e ter alguém confiável para se abrir.  
Os fatores de risco comuns para as duas classes sociais foram: briga dos pais; solidão e traição de amigos e namorado (a). Conforme podemos observar na transcrição de alguns relatos:  
“O que me deixa mais triste mesmo é quando meus pais brigam. É como se eu tivesse que ficar do lado de um deles e o outro fica bravo comigo. Sempre acontece isso e eu não sei o que fazer.” 
“Mas o contrário também é ruim. Quando você percebe que as pessoas não estão muito preocupadas com você e que você tá mais sozinha do que você pensa.”  “Por exemplo, se sua namorada te troca por outro e você gosta muito dela. Você pode não agüentar de decepção.”
As consequências comuns a todos os grupos estudados indicaram: suicídio; depressão e prolongamento da tristeza; e isolamento. O relato de pensamentos suicidas presente em pelo menos um momento da vida foi unânime. Sobre depressão, os adolescentes demonstraram intimidade com o tema, reconhecendo como natural a experiência de momentos de tristeza e relacionando-a como consequência do fracasso na elaboração de tais momentos. Apontaram, também, o isolamento como reação à solidão. Relataram que a falta de pessoas confiáveis os levam a assumir este isolamento como uma realidade. 
Apenas um fator de proteção foi identificado comum em todos os grupos: alguém confiável para conversar. Os adolescentes afirmaram que a experiência de falar com alguém sobre as dificuldades diárias e seus sentimentos facilita a superação dos mesmos. Dizem que estão abertos a expor sua intimidade e a receber conselhos, mas não aceitam bem as soluções prontas. Apontaram que encontrar alguém disponível para ouvi-los e entendê-los os distancia das consequências “prolongamento da tristeza” e “isolamento”. “Só de ter alguém pra falar já é bom. Alguém que entende você.” “Sempre, a melhor coisa pra se sentir melhor é falar com alguém, que te escute, sem ficar te criticando, entende?” “Se você está mal mesmo não adianta. Você tem que desabafar com alguém. A melhor coisa é você procurar um amigo de verdade que te ouça. Que te dê conselhos.” 
A oferta de um espaço de escuta foi uma das sugestões apontadas pelos adolescentes à coordenação deste projeto. Os participantes relataram que a falta de oportunidade para refletir sobre seus sentimentos, provavelmente, os expõe a mais riscos ou colaboram na intensificação de sentimentos ruins. 
Uma curiosidade deste estudo é que o tema sugerido para a discussão foi o suicídio, no entanto, todos os grupos conduziram o debate para o tema tristeza. Os grupos apontaram o suicídio como uma consequência da tristeza. Não foram apresentadas diferenças relevantes entre as classes sociais quanto ao fenômeno “tristeza”. 
Ao final, Benincasa e Rezende concluíram que esta atividade promoveu nos adolescentes a oportunidade de refletir sobre seus próprios comportamentos de risco. O objetivo deste estudo não envolvia alterar tais comportamentos, apenas a discutí-los caso fossem percebidos. Ainda foi oferecida a oportunidade de reconhecerem alternativas de proteção aos riscos de “prolongamento da tristeza” e suicídio.

Referências bibliográficas

BAHLS, S.C. (2002). Aspectos clínicos da depressão em crianças e adolescentes: clinical features. Jornal de Pediatria , 78, 5, 359-366. 
BENINCASA, M.; REZENDE,M.M. Tristeza e suicídio entre adolescentes: fatores de risco e proteção. Boletim de Psicologia. N. 124. V. LVI. 93-110. 2006 
DUTRA, E.M.S. (2001). Depressão e suicídio em crianças e adolescentes. Mudanças, 9, 15, 27-35.

2 comentários:

  1. Interessante! Esse artigo aponta para um aspecto importante do amadurecimento humano, de certo modo conquistado nos primeiros anos de vida, e revivido com toda a sua potência na adolescência : a confiabilidade.
    Se a princípio parece contraditório que um adolescente busque se isolar porque está mais autônomo, por outro lado é um momento em que, mesmo só, seria fatal que ele perdesse a confiança basica de que o outro está lá, e permanecerá assegurando o seu lugar enquanto ele se excita e experimenta outros mundos. E essas relações de confiança, conquistadas de forma segura ou não nos primeiros anos de vida, vão também moldando as relações dos adolescentes com novas pessoas. Assim, a quebra da confiança atual pode configurar uma catástrofe (por confirmar a experiência de desconfiança nas pessoas), ou não, dependendo das bases em que esse psiquismo do adolescente foi edificado.
    A relação analítica junto a esses adolescentes em algum momento irá passar por esse aspecto, e precisamos estar preparados para enfrenta - lo auxiliando na (re)edificação das bases do confiar...

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  2. Interessante! Esse artigo aponta para um aspecto importante do amadurecimento humano, de certo modo conquistado nos primeiros anos de vida, e revivido com toda a sua potência na adolescência : a confiabilidade.
    Se a princípio parece contraditório que um adolescente busque se isolar porque está mais autônomo, por outro lado é um momento em que, mesmo só, seria fatal que ele perdesse a confiança basica de que o outro está lá, e permanecerá assegurando o seu lugar enquanto ele se excita e experimenta outros mundos. E essas relações de confiança, conquistadas de forma segura ou não nos primeiros anos de vida, vão também moldando as relações dos adolescentes com novas pessoas. Assim, a quebra da confiança atual pode configurar uma catástrofe (por confirmar a experiência de desconfiança nas pessoas), ou não, dependendo das bases em que esse psiquismo do adolescente foi edificado.
    A relação analítica junto a esses adolescentes em algum momento irá passar por esse aspecto, e precisamos estar preparados para enfrenta - lo auxiliando na (re)edificação das bases do confiar...

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